Cineclube EA: MUDAR DE VIDA

02.11.2021 18:30
Escola das Artes | Auditório Ilídio Pinho | Edifício das Artes / Arts Building

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02.11.2021 18:30 Cineclube EA: MUDAR DE VIDA Link: https:///pt/central-eventos/cineclube-ea-mudar-vida

Como Chegar / How to Arrive
Universidade Católica Portuguesa - Porto | Auditório Ilídio Pinho

de Paulo Rocha 
Portugal, 1966, 103'

 


Sinopse

Fortemente influenciado pela nouvelle vague, Paulo Rocha explora os temas de redenção e o efeito sócio-cultural da emigração em Portugal nos anos 60. Mudar de Vida segue Adelino no seu regresso a casa. Após servir o serviço militar obrigatório em África, este regressa para encontrar um Portugal diferente daquele que ele tinha deixado para trás.

 
 

Folha de sala

“O Meu País é o que o Mar Não Quer”

por Vasco Vasconcelos (mestrando em cinema)

 

De um grupo de novos realizadores portugueses que no final dos anos 50 e início dos anos 60 se espalharam pela Europa e aí tiveram contacto com a vanguarda cinematográfica, talvez nenhum outro tenha um papel tão decisivo no cinema feito em Portugal como Paulo Rocha. Em conjunto com mais dois ou três filmes de outros realizadores, Os Verdes Anos – primeira obra de Rocha – e Mudar de Vida são o molde do “novo cinema português”. Mas enquanto o primeiro era carregado de urgência e uma espécie de manifesto de uma geração com pressa de introduzir uma nova sensibilidade, Mudar de Vida é um caso particular de austeridade e delicadeza, fruto de uma visão mais íntima e da vontade de retratar um lugar e um modo de vida enraizados na memória do realizador. Ainda que muito distintos, os dois filmes começam com uma chegada para não mais deixarem de sugerir uma partida. Talvez aí esteja já um indício daquilo que João Bénard da Costa considerava ser o tema de fundo do cinema português: um país que é ao mesmo tempo um profundo amor e uma profunda maldição. 

Se, em Os Verdes Anos, um jovem abandona a sua terra à procura de uma vida melhor na capital, em Mudar de Vida, Adelino volta a casa depois de perder a juventude numa guerra além-mar. Regressado de África, encontra uma vila que quase não reconhece e uma vida que lhe trocou as voltas. Júlia fartou-se de esperar por ele, de anos sem uma letra. No Furadouro, a paisagem alterou-se e as estruturas ficaram expostas: uma comunidade desmembra-se e desespera perante o mar esfomeado, que não distingue entre a casa grande e os pequenos palheiros que mal se equilibram nas dunas. Um poço escorchado parece uma chaminé, mesas e cadeiras são arrastadas pelas ondas. A vida leva ainda outras coisas: os velhotes, as companhas, até os costumes leva. Sobrevivem alguns no filme: festas em honra da Senhora da Saúde; o Bendito, cantado em alto-mar pelos pescadores; bailes na noite de São João – Ora aperta, amor, aperta, aperta a minha cintura. Este nosso bem-querer só tem fim na sepultura. Danças macabras em que cada um faz o que pode e o que todos fazem é comer-se uns aos outros. O filme vai perdendo os vestígios neo-realistas e prossegue sob o signo de Mizoguchi, cerzido pelas subtis linhas de guitarra e flauta de Carlos Paredes e pelos irrepreensíveis diálogos, escritos e reescritos por António Reis em cima de cada cena – “cada dia mais magro, sempre em suores frios, à procura da vírgula, da pausa, da assonância secreta e expressiva”, como dele se lembra Paulo Rocha. Entre águas, Adelino vagueia só. Voluntário à força, querem que troque o mar pela ria, a areia pelo sal, as redes pelos círculos, trapézios e quadrados. Vão-se os precários palheiros, os vagalhões que balançam os barcos, os bois que lavram o oceano. Vêm as águas paradas e os pântanos, os moliceiros a rasgar a neblina, as correrias pela mata. Pescador de água doce, Adelino encontra Albertina, rebelde e esquiva, pássaro de arribação. Segredam tristezas, moem águas passadas, fazem contas ao que há a perder e a ganhar. Afinal, ias daqui para algum lado?